Existe um vídeo de Ariano Suassuna que circula nas redes sociais há muitos anos. Suassuna, poeta e escritor e grande defensor da língua portuguesa, nesse vídeo comenta uma matéria que havia sido publicada em um jornal de São Paulo falando de um show da então Banda Calypso (1999-2015). Com seu tom de humor sarcástico, em dado momento da conversa, Suassuna comenta a chamada da matéria que estava na primeira página do tal jornal: “Banda Calypso – é a verdade do povo brasileiro” e segue lendo o artigo que em um ponto comenta que o guitarrista seria “genial”. E a partir desse ponto Suassuna continua a ironizar que se esse era GENIAL, o que seria de um Beethoven.
Sempre gostei dessa provocação e finalmente resolvi escrever sobre os superlativos da nossa vida. E isso tem me intrigado principalmente quando somente em 2025, ano que escrevo aqui, já presenciei uns 5 maiores eventos de inovação do mundo. Sem considerar outros tantos adjetivos que caracterizam fatos do nosso dia a dia.
Vivemos em uma era de superlativos. Tudo é o maior, o melhor, o mais importante. As manchetes gritam com entusiasmo: “o maior evento de inovação do mundo”, “a startup mais promissora da década”, “o profissional mais influente da sua geração”. Nas redes sociais, colecionamos marcos grandiosos. No mercado, buscamos diferenciais cada vez mais espetaculares. No discurso público, superlativar virou uma estratégia de autoridade, mesmo quando os fatos não sustentam o tamanho da afirmação.
Mas o que realmente significa algo ser o maior do mundo? E mais do que isso, o que acontece conosco quando passamos a nos medir apenas por esse critério?
A armadilha do mais
Quando alguém afirma que participou do maior evento de inovação do mundo, raramente se questiona: maior em quê? Em número de participantes? Em visibilidade na mídia? Em impacto real sobre a sociedade? Em volume de negócios gerados? Em diversidade de ideias?
Na maior parte das vezes, o uso do superlativo não vem de uma análise rigorosa, mas de uma construção narrativa. Uma escolha de linguagem que visa gerar impacto. Criar uma ilusão de grandeza. E este é o grande risco. Porque quando tudo é superlativo, nada mais é confiável. E sem confiança nos critérios que usamos para avaliar os fatos, perdemos a referência do que realmente importa.
O maior em qual régua?
A régua que usamos para medir o que é “o maior” muitas vezes está enviesada por referências locais, culturais ou momentâneas. O maior evento de inovação segundo a imprensa brasileira pode ser apenas mediano em comparação a encontros globais de pesquisa e tecnologia realizados na Ásia ou na Europa. A maior empresa de impacto social na América Latina pode ser desconhecida fora de seu nicho específico. O maior influenciador digital do LinkedIn pode ter relevância apenas em determinados segmentos.
Falta humildade quando ignoramos as múltiplas referências possíveis e validamos um superlativo como absoluto. É preciso lembrar que existem diferentes olhares, contextos e escalas. O que é gigante em um lugar pode ser pequeno em outro. O que é revolucionário em um setor pode ser irrelevante em outro.
A humanidade não cabe em uma única régua de grandeza
Quando elevamos alguém ou algo ao posto de “o maior do mundo”, estamos desconsiderando a complexidade e a diversidade da experiência humana. Estamos dizendo, muitas vezes sem querer, que todas as outras expressões, culturas e histórias valem menos.
Pensemos na arte, por exemplo. Qual é o maior artista da história? Essa é uma pergunta impossível de responder. Não porque faltem parâmetros técnicos, mas porque a arte toca em dimensões subjetivas, afetivas e simbólicas que não cabem em listas e rankings. A grandeza, nesse caso, não é uma questão de volume ou popularidade, mas de conexão e significado.
O mesmo vale para o conhecimento, para as culturas, para as soluções sociais. O que transforma o mundo não é apenas o que tem maior escala, mas o que tem sentido. O que reverbera. O que gera valor real para pessoas reais.
Superlativos esvaziam o conteúdo
Outra consequência do uso indiscriminado dos superlativos é o esvaziamento do conteúdo. Quando tudo é espetacular, nada mais surpreende. O discurso se torna inflado, mas frágil. A promessa supera a entrega. A palavra perde o peso que deveria ter.
Isso acontece com frequência em eventos corporativos. Você ouve dizer que irá ao “maior congresso sobre transformação digital da América Latina”, mas ao chegar lá, encontra um conjunto de palestras genéricas, poucas discussões profundas e uma feira de soluções que se repete em vários outros encontros. A frustração não vem apenas da experiência, mas do descompasso entre a promessa e a realidade.
Mais valioso do que ser o maior evento é ser o evento que mais provocou reflexões. Que mais conectou pessoas. Que mais gerou movimento interno nas lideranças presentes. Mas isso raramente cabe em uma manchete.
A cultura da comparação exaustiva
Vivemos cercados de rankings, listas e métricas. Medimos seguidores, curtidas, visualizações. Comparamos empresas, universidades, países, pessoas. Isso tem seu valor quando bem contextualizado, mas se torna tóxico quando vira um fim em si mesmo.
O problema não está em comparar, mas em comparar sem consciência. Sem perguntar qual é o critério, de onde vem a fonte, a quem serve esse ranking. A obsessão pelo mais, pelo maior, pelo primeiro lugar, muitas vezes nos distancia do que tem real importância: a consistência, a contribuição, a coerência com os valores que defendemos.
A humildade dos fatos
Diante disso, o que propomos é uma mudança de postura. Um retorno à humildade dos fatos. Ao invés de inflar o discurso com superlativos, que tal falar com clareza sobre os impactos reais de um projeto? Que tal compartilhar o alcance com precisão, explicar o contexto, e valorizar não apenas o tamanho, mas o aprendizado, a transformação e o percurso?
O mundo precisa de histórias verdadeiras, não apenas de narrativas superlativas. E isso exige mais trabalho. Exige pesquisa, consciência, cuidado com a linguagem. Mas também gera mais conexão e mais confiança.
Grande é quem reconhece a complexidade
Ser grande não é ser o maior. É ser relevante, generoso e lúcido. É reconhecer a complexidade das coisas e resistir à tentação de simplificá-las com rótulos fáceis. É construir autoridade não pela altura do pedestal, mas pela profundidade das ideias.
Quando um projeto transforma vidas em uma comunidade, ele pode ser pequeno aos olhos da mídia, mas gigante no impacto social. Quando uma palestra muda o rumo de uma liderança, ela pode não ter milhares de views, mas terá gerado movimento verdadeiro. Quando uma pesquisa muda o olhar sobre um problema, ela talvez nunca reverbere nas redes sociais, mas será a base para novos caminhos.
O que nos transforma como humanidade não são os recordes, mas os encontros significativos. O que nos conecta não é o superlativo, mas a verdade que se sustenta com consistência.
Palavras têm peso
Como comunicadores, líderes e educadores, temos responsabilidade sobre as palavras que usamos. Toda vez que dizemos que algo é o maior ou o melhor, precisamos estar prontos para explicar em que baseamos essa afirmação. Caso contrário, caímos no marketing vazio. Na espetacularização sem critério. No culto à aparência em detrimento do conteúdo.
A escolha por uma linguagem mais precisa, mais honesta e mais atenta é também um gesto de respeito. Significa respeito com quem ouve. Com quem confia. Com quem está em busca de referências que ajudem a compreender o mundo de forma mais ampla e mais justa.
Não precisamos ser os maiores. Precisamos ser coerentes com nossos propósitos. Precisamos construir com verdade, com entrega e com consciência. Precisamos honrar as diferentes formas de grandeza que existem no mundo, mesmo aquelas que não cabem nas manchetes.
Ser grande, no fundo, é saber ocupar o seu lugar com inteireza. É saber aprender com outras referências. É ter a humildade de reconhecer que o mundo é vasto, plural e cheio de possibilidades que não dependem de superlativos para existirem.
Afinal, mais importante do que estar no maior evento de inovação do mundo é permitir que a verdadeira transformação comece dentro de você e que essa mudança inspire novas formas de inovar e se conectar com o mundo.