Liderar sem tempo é liderar no escuro: o que Harari ensina sobre mente, presença e propósito
No palco da 25ª edição do HSM+, em São Paulo, no início de novembro de 2025, o historiador israelense Yuval Noah Harari fez uma provocação extensa, penetrante e essencial: “Se você não tem tempo, você é pobre. Não importa quanto dinheiro você tem. Porque a verdadeira moeda da vida é o tempo.”
Como autora do método AION de gestão do tempo e facilitadora de treinamentos em produtividade, gestão de pessoas e cultura organizacional, senti-me chamada a aprofundar essa reflexão de Harari e traduzi-la para o contexto de liderança consciente, equipes que se movem com propósito e a cultura que queremos construir nas organizações. É dessa síntese que este artigo emerge: apontar como tempo, mente e liderança estão intimamente interligados e como podem transformar não apenas indivíduos, mas ecossistemas de trabalho e de inovação.
1. O bunker que precisamos construir e por que ele está dentro da mente
Durante sua palestra, Harari utilizou uma metáfora impactante: “Bilionários e grandes empresários da tecnologia … têm medo … estão construindo bunkers onde podem se esconder, mas ainda não sabem onde construir. Esse é um dos temas mais comentados em conversas privadas.”
Em seguida ele completou: “Então, deixe-me dizer onde construir seu ‘bunker do juízo final’: construa-o na sua mente.”
Essa provocação abre dois caminhos:
O primeiro: se os indivíduos mais ricos do planeta veem que talvez o escudo externo (capital, bunkers físicos, tecnologias) não basta, então há algo mais interno em jogo.
O segundo: ao apontar a mente como local desse “bunker”, Harari nos convida a reconhecer que nossa saúde mental, nossa clareza, nossa pausa e reflexão são territórios estratégicos, tanto para nós quanto para as organizações que lideramos.
No universo da liderança e da cultura organizacional, essa reflexão se torna urgente. Quando um líder está cansado, acelerado, sem tempo, sem pausa para reflexão, sem espaço interno para a tomada de consciência, não apenas a audiência externa, mas sua mente interna está em frangalhos. E se a mente que nos guia está fragilizada, instável ou ocupada demais para ouvir o que realmente importa, qual a qualidade das decisões que emergem? Qual a qualidade da cultura, da inovação, da colaboração que impulsionamos?
Harari reforçou que “os algoritmos não funcionam em ciclos, não precisam de tempo para descansar, não têm famílias, não tiram férias” e este contraste é vital: somos humanos, somos orgânicos, vivemos por ciclos (dia e noite; atividade e descanso) e se mantivermos o organismo ocupado ininterruptamente, “ele eventualmente vai colapsar e morrer”.
Em resumo: construir um “bunker” na mente significa prover a nós mesmos um espaço para:
- pausa e reflexão
- respiro e reconexão
- clareza e coesão interna
- consciência de que lideramos não apenas com estratégia, mas com presença
Para você, que trabalha com gestão do tempo, produtividade e cultura, e para os líderes e equipes que você apoia, esse é um convite: integrar a dimensão temporal-interna à agenda externa.
2. O tempo como moeda da vida, mais valioso que dinheiro
A frase de Harari ressoa de modo claro: “Se sua mente está cheia de raiva e desconfiança, isso é o que você estará espalhando ao redor do mundo.” E também: “Se você não tem tempo, você é pobre. Não importa quanto dinheiro você tem. Porque a verdadeira moeda da vida é o tempo.”
Aqui reside uma das principais tensões dos nossos tempos: acumulamos recursos (financeiros, tecnológicos, informacionais) enquanto nos esquecemos de gerenciar o tempo que temos ou pior, permitimos que ele seja tomado por urgências, distrações, exigências externas, sem que nós decidamos conscientemente.
Para trazer ao contexto de liderança e produtividade: Muitas organizações medem e remuneram resultados e entregas, mas raramente medem o tempo investido em reflexão, pausa, presença plena, desapego ao imediato.
Muitos líderes relatam agenda lotada, conectividade contínua, presença física mas ausência mental e, paradoxalmente, isso gera menos rendimento, menos inovação, menor qualidade de relacionamento. O tempo não empregado apenas no fazer, mas no “ser, sentir, integrar, pausar” tem valor equivalente senão maior àquele gasto em produção contínua.
Quando formulo o meu Método AION de gestão do tempo e do fluxo da vida, defino entre os pilares a priorização consciente e o fluido do tempo pessoal: não basta organizar tarefas, é preciso gerenciar como o tempo se relaciona com nosso propósito, nossa energia e nossa mente. Harari nos dá um respaldo filosófico e pragmático para essa ideia: o maior luxo moderno é encontrar tempo para cuidar da mente, para descansar. “Essa é uma tarefa que você não pode delegar, Você não pode mandar a sua mente para a lavanderia; tem que limpá-la sozinho, sempre leva tempo.”
Para transformar isso em ação concreta em organizações e equipes, sugiro três movimentos:
- Incorporar no calendário corporativo “tempo não-produtivo” formalizado: reflexão, meditação, desconexão.
- Incentivar líderes a dar o exemplo: pausar, desligar, não estar “ocupado” o tempo todo como medalha.
- Medir não apenas o “quanto” foi entregue, mas também o “como” foi entregue: com qual presença, qual mente, qual clareza.
3. Liderança com protagonismo: mente sã, tempo consciente, cultura viva
Devemos articular nas empresas, culturas de inovação e time multidisciplinar, e refletir que as organizações são células do sistema, e líderes são “nutrientes” dessas células, então a forma como o líder gerencia seu tempo e sua mente reflete diretamente na cultura organizacional.
Harari interligou liderança, mente e sociedade ao afirmar: “Isso não é bom para eles, e certamente não é bom para a sociedade humana ser liderada por pessoas com mentes perturbadas e sem tempo para relaxar.”
Isso significa:
- Uma liderança com mente fragmentada (sem pausa, sob permanente urgência) cria decisões superficiais, reativas, desconectadas do propósito.
- Essa liderança, por sua vez, gera equipes que reproduzem essa lógica. Produtividade elevada, sim, mas fragilidade, esgotamento, foco no curto prazo.
- E assim a cultura organizacional vai se transformando em “máquina de urgências” ao invés de laboratório de inovação, reflexão, propósito.
Quando pensamos em formar líderes inovadores e conscientes, uma premissa precisa ser destacada: liderar é, antes de tudo, saber gerenciar o próprio tempo…
Ter protagonismo não é estar sempre ocupado, é escolher onde você participa, com clareza de mente, disposição de presença e consciência de impacto.
Trago aqui alguns pontos práticos para trabalhar com equipes e líderes:
- Realize sessões de “pausa consciente” em workshops onde o grupo não apenas faz, mas pausa para ser e refletir.
- Crie o conceito de “restrição de faixa” de tempo: momentos no calendário em que não há voz de WhatsApp corporativo, não há mensagem de e-mail e sim presença plena.
- Incentive a “árvore invertida”: raízes profundas (pausa, reflexividade, mente) sustentam a copa (ação, entrega, inovação). Sem raízes, a copa seca.
- Integre no discurso de liderança que “mega-produtividade” sem descanso não é heroísmo, é risco. E um risco coletivo.
- Conecte o tempo pessoal do líder (como mente-líder) ao tempo da organização (como cultura). O líder que “não tem tempo para sua mente” infecta sua rede com ausência de tempo, mente dispersa e cultura enfraquecida.
4. Tempo, cultura e inovação no mundo acelerado TUNA, BANI, VUCA
Vivemos em uma era que você bem conhece, com modelos como VUCA, TUNA, BANI em pauta, ou seja: volatilidade, incerteza, complexidade, ambiguidade; turbilhões de aceleração; fragilidade, ansiedade, não-linearidade.
Nesse cenário, a pressa tornou-se norma. O “agora” impera. E, ainda assim, Harari nos lembra que o que diferencia é a pausa, o tempo para pensar, para recuar, para questionar.
Da cultura organizacional à inovação, esse “tempo para mente” torna-se diferencial. Porque a inovação depende de suspensão do automático, de espaço mental para conectar ideias originalmente. A cultura depende de alinhamento interno, de significado compartilhado e não de execução frenética sem reflexão e a liderança depende de presença, escuta e consciência, elementos que se corroem se não houver tempo para a mente.
Assim, quando digo que cultura de resultados emerge de protagonistas que tem tempo para ser e não apenas para fazer, estou ecoando Harari: a verdadeira moeda da vida é o tempo.
E esse tempo não é luxo ou não precisa ser apenas luxo, é fundacional. Do contrário, teremos seres humanos ricos em bens, pobres em tempo; equipes com entregas, mas sem alma; empresas ágeis, mas sem humanidade.
5. Convite à ação: tempo como alavanca transformadora
Para você que está lendo este artigo, deixo este plano de ação inspirador:
A. Diagnóstico pessoal:
- Quantas horas da sua agenda são “tempo para mente”, isto é: sem interrupção, sem WhatsApp corporativo, sem e-mail, sem reunião?
- Nos últimos 30 dias, quais foram os momentos em que você desligou e permitiu à sua mente respirar?
- Qual a proporção entre “tempo de execução/entrega” e “tempo de reflexão/recarga” em sua rotina?
B. Projeto “Bunker Mental”:
- Defina no seu calendário semanal um bloco fixo de pelo menos 60-90 minutos em que você pratica uma atividade que não é “fazer”, mas “ser”: meditação, caminhada na natureza, leitura longa, silêncio expressivo.
- Comunique à sua equipe/ou seu contexto que esse bloco existe, explicando que ele não é “tempo ocioso”, é tempo estratégico.
- Avalie após 4-6 semanas o impacto: na sua clareza, nas decisões, no nível de presença nas conversas, no nível de energia.
C. Cultura de tempo consciente na equipe:
- Em suas sessões de mentoria ou workshops, reserve o início para “pausa coletiva”: respirar, refletir, qual é o estado da mente hoje?
- Incentive que as reuniões comecem com 5 minutos de “mindfulness” ou “check-in de mente”: Como você está? Qual sua energia? O que precisa?
- Reconheça e valorize membros da equipe que demonstram capacidade de pausar e escutar e não apenas de “fazer rápido”.
D. Comunicação de liderança:
- Em discursos e comunicações internas, utilize a metáfora do tempo como moeda da vida: “Não queremos que vocês sejam ricos em horas perdidas. Queremos que vocês sejam ricos em tempo investido em mente, em clareza, em presença”.
- Relacione metas à qualidade não só à quantidade: “Entregaremos X, mas também cuidaremos de que a mente que entrega X esteja saudável, descansada, íntegra”.
E. Mensuração e ajuste:
- Estabeleça indicadores de “pausa consciente” ou “recarga mental” pode ser percentual de agenda livre, número de sessões de reflexão realizadas, feedbacks de energia da equipe.
- Avalie o impacto desses blocos no desempenho, inovação, engajamento, taxa de rotatividade, clima.
- Ajuste o modelo sempre: o objetivo não é “pouco tempo” ou “descanso eterno”, mas tempo bem gerido para mente, processo e resultado.
6. Tempo, mente e protagonismo em uma inovação com alma
Em um mundo que acelera em múltiplas direções, tecnológico, econômico, social, o recado de Harari é cristalino: tempo é a nova escassez, a nova riqueza, a nova alavanca. Para quem lidera, para quem quer inspirar protagonismo em equipes, para quem quer criar culturas que sejam mais do que eficazes e entregas: cuidar da mente, garantir tempo para reflexão, presença e recarga, é imperativo.
Tempo não é adversário da produtividade, é seu combustível essencial. Sem ele, a produtividade pode até existir, mas se torna frágil, exausta, desconectada do propósito. Portanto, convido você a olhar para dentro e responder, com calma e no tempo que for possível; Como está sua mente? Como está seu tempo? Com que qualidade você lidera?
Porque, no fim das contas, não são os ricos em conta bancária que lideram com futuro mas são os ricos em tempo, mente íntegra e presença consciente.