Em um mundo dominado por dados e previsões, vencerá quem ainda sabe imaginar. A estratégia criativa resgata o poder da intuição, da curiosidade e da coragem para transformar incerteza em inovação.
Durante muito tempo, acreditamos que estratégia era sinônimo de planejamento, uma sequência lógica de ações sustentadas por análises, métricas e projeções. Nos acostumamos a confundir “pensar estrategicamente” com “planejar detalhadamente”. Criamos departamentos de planejamento estratégico, planilhas de cinco abas, apresentações de PowerPoint com cronogramas e metas que mais pareciam oráculos corporativos. E, assim, fomos reduzindo o ato de imaginar o futuro à tarefa de prever o amanhã com base em dados do passado.
Mas o que Roger Martin, um dos maiores pensadores contemporâneos da estratégia, nos lembra é que estratégia é distinção. E a distinção nasce da imaginação.
Fazer o mesmo que os outros, apenas tentando fazer melhor, é o caminho mais curto para a irrelevância.
O verdadeiro diferencial está em fazer o que ainda não foi feito ou em fazê-lo de forma tão singular que ninguém mais consiga reproduzir.
Hoje, mais do que nunca, imaginar é um ato estratégico.
Da lógica à imaginação: o retorno do pensamento criativo
As empresas que prosperaram no século XX foram aquelas que dominaram o planejamento. As que prosperarão no século XXI serão as que dominarem a imaginação estratégica.
O problema é que não se analisa o futuro. Ele se imagina. E é justamente neste ponto que a maioria das organizações trava. Por medo, por excesso de controle, ou simplesmente por não compreender que a imaginação não é o oposto da razão: ela é sua continuação em outro registro.
A confusão entre análise e pensamento fez com que muitas corporações se tornassem especialistas em repetir modelos. Em vez de desenhar o novo, tentam otimizar o velho. Em vez de formular hipóteses ousadas, validam cenários seguros. Em vez de buscar o diferente, investem no previsível.
Mas o mundo mudou. O contexto TUNA — Turbulento, Incerto, Não linear e Ambíguo — tornou-se o habitat natural das organizações. E nele, quem apenas analisa, reage. Quem imagina, cria.
A imaginação como método exploratório
A imaginação estratégica, como defende Martin, não é uma inspiração espontânea, nem um lampejo de genialidade que surge do nada. Ela é uma heurística: um modo de pensar que amplia as chances de criar novas possibilidades, mesmo sem garantir certezas. É uma ferramenta de raciocínio exploratória que se baseia em hipóteses, experimentos e conexões inusitadas.
E aqui há uma provocação essencial: quanto da sua estratégia é descoberta, e quanto é apenas repetição?
As grandes ideias não nascem do conformismo. Elas emergem de quem tem coragem de olhar o mundo por outros ângulos. Por isso, imaginar é também um ato político, é resistir à padronização, à automatização dos pensamentos e à dependência excessiva de algoritmos que apenas reproduzem o que já foi visto.
Os três vetores da criação estratégica
Roger Martin nos oferece um mapa para gerar ideias que se transformam em diferencial:
Analogias, Compensações e Anomalias.
Esse tripé é uma espécie de “Design Estratégico”, um conjunto de lentes que permite enxergar o futuro com mais sensibilidade, contexto e coragem. Vamos detatalhar cada uma delas.
1. Analogias: a arte de pensar por comparação
Toda inovação é, de alguma forma, uma tradução. É quando olhamos para um contexto e enxergamos nele uma resposta possível para outro.
A P&G, por exemplo, inspirou-se na quimioterapia para resolver o problema de branqueamento de tecidos sem danificá-los. James Dyson criou seu aspirador a partir da analogia com ciclones industriais. E a Tesla reinventou o mercado automotivo não por entender de carros, mas por compreender o universo do software.
Analogias são pontes entre domínios distantes. Elas conectam o que aparentemente não tem relação, e é justamente essa tensão criativa que gera inovação.
No Design Emergente, usamos o mesmo princípio: combinamos repertórios distintos, biologia, arte, antropologia, ciência de dados para encontrar novos caminhos de solução.
O estrategista criativo é, antes de tudo, um tradutor de mundos.
Empresas presas ao próprio setor tornam-se cegas ao que acontece fora de seus muros. É por isso que a inovação raramente vem do “centro do mercado”, ela vem das bordas, onde diferentes campos se encontram.
2. Compensações: o pensamento integrativo
As grandes estratégias costumam nascer de dilemas aparentemente insolúveis: luxo ou escala? exclusividade ou acesso? tradição ou disrupção?
A diferença é que mentes criativas não aceitam essas trocas como inevitáveis. Elas desafiam o pensamento binário e buscam o terceiro caminho, aquele que combina o melhor de dois opostos.
É o que Martin chama de Pensamento Integrativo. Trata-se de recusar o trade-off e redesenhar o sistema de jogo.
O hotel Four Seasons, por exemplo, criou o segmento de “luxo acessível” ao unir o conforto de um cinco estrelas com a eficiência operacional de uma rede padronizada.
A P&G, novamente, redesenhou seu processo de inovação ao adotar o modelo Connect & Develop, que uniu pesquisa interna e colaboração externa.
A Apple, em 2007, não escolheu entre telefone e computador de bolso. Integrou os dois e mudou a história da tecnologia.
Esse pensamento integrativo está na base do Design Emergente e das metodologias de inovação mais recentes: compreender que a criatividade nasce da tensão entre contrários. E que o papel do líder inovador é aprender a dançar nessa tensão, em vez de eliminá-la.
3. Anomalias: os sinais do futuro escondidos no presente
Toda anomalia é um presente disfarçado. São comportamentos fora da curva, nichos ignorados, padrões que não se encaixam. Os “erros” do sistema que anunciam o que vem a seguir.
A inovação muitas vezes começa nas margens. A Body Shop nasceu atendendo consumidores “estranhos”, preocupados com a origem ética e natural dos produtos, um público minúsculo nos anos 1970. Hoje, essa é a norma.
Os primeiros hackers dos anos 1970 queriam apenas autonomia sobre suas máquinas. Sem perceber, estavam abrindo caminho para a revolução digital.
Anomalias são os sintomas do futuro. Ignorá-las é perder a oportunidade de participar da próxima revolução.
Em tempos de Inteligência Artificial, observar as anomalias se tornou ainda mais essencial.
O que hoje parece marginal, como comunidades descentralizadas, economias criativas independentes ou negócios de impacto socioambiental, pode ser o novo mainstream em poucos anos.
E aqui fica uma pergunta provocadora: que comportamentos anômalos em seu mercado podem ser a semente do que vem a seguir?
A combinação que gera revolução
Quando os três vetores se combinam: analogia, compensação e anomalia, surge o verdadeiro poder estratégico. É nesse ponto de interseção que nasce a diferenciação significativa.
Foi assim com Olay, marca da P&G, que redefiniu o mercado global de skincare. Inspirou-se na rotina japonesa de autocuidado (analogia), criou um produto de luxo vendido em canais populares (compensação) e percebeu que jovens mulheres estavam antecipando os cuidados com a pele (anomalia). O resultado? Uma nova categoria, uma nova cultura e uma nova liderança global.
Podemos ver o mesmo padrão em outras revoluções recentes:
- Airbnb: combinou hospitalidade (analogia com o lar), recusou o trade-off entre preço e experiência (compensação) e apostou na anomalia de pessoas dispostas a abrir suas casas (anomalia).
- Nubank: uniu design digital (analogia do e-commerce), rejeitou o trade-off entre eficiência e empatia (compensação) e apostou na anomalia do consumidor que não queria mais lidar com agências físicas (anomalia).
- Netflix: aplicou a lógica dos algoritmos de recomendação (analogia), quebrou o dilema TV vs. cinema (compensação) e surfou na anomalia de quem queria escolher o que assistir, quando quisesse (anomalia).
O futuro pertence a quem sabe combinar de forma inteligente esses vetores. Porque a imaginação, quando guiada por método, deixa de ser intuição e passa a ser estratégia criativa.
Design Emergente e o novo papel da estratégia
No paradigma do Design Emergente, a estratégia deixa de ser um plano e passa a ser um sistema vivo de adaptação. Ela se move, aprende e se refaz a cada interação com o ambiente.
O líder contemporâneo precisa aprender a lidar com a incerteza não como inimiga, mas como matéria-prima da criação. E aqui a imaginação volta ao centro do jogo, não como algo “poético” ou “inspiracional”, mas como competência estratégica.
Enquanto o pensamento analítico busca reduzir o futuro à previsibilidade, o pensamento emergente busca expandir o presente à multiplicidade. Ele acolhe o imprevisto, o erro, o acaso e transforma tudo isso em informação de aprendizado.
Por isso, falar em estratégia criativa é falar em design organizacional: um processo que envolve cultura, pessoas, tempo e propósito.
O tempo da imaginação
Nos últimos anos, venho explorando o tema do tempo sob diferentes perspectivas, inclusive no meu curso Tempo e o Fluxo da Vida. E percebo que há uma conexão profunda entre gestão do tempo e imaginação estratégica.
Ambas dependem de nossa capacidade de estar presentes e observar com atenção. A imaginação não acontece no meio da pressa. Ela exige um tempo de pausa, de respiração, de escuta. É nesse intervalo entre uma tarefa e outra que surgem as melhores perguntas, as conexões improváveis, as ideias que realmente transformam.
A cultura da aceleração fez com que confundíssemos movimento com progresso. Mas imaginar o futuro é, antes de tudo, um ato de presença. E toda estratégia criativa nasce dessa presença consciente, do olhar atento que enxerga o que os outros ainda não viram.
A imaginação em tempos de Inteligência Artificial
Há quem diga que a IA vai substituir a criatividade humana. Eu acredito no oposto: a IA nos forçará a sermos ainda mais criativos.
Quando algoritmos produzem textos, imagens e análises em segundos, o diferencial humano passa a ser a qualidade da imaginação. As máquinas podem gerar combinações infinitas, mas não sabem atribuir sentido. Não compreendem o contexto cultural, o sentimento humano, o paradoxo.
A estratégia criativa do futuro será híbrida: alimentada por dados, mas guiada por intuição. A IA será uma aliada, não um substituto. Ela pode nos ajudar a enxergar padrões invisíveis, mas apenas a mente humana é capaz de reconhecer o significado desses padrões.
O papel do líder, portanto, será curar, interpretar e imaginar junto com as máquinas, usando a tecnologia como extensão de sua capacidade criadora, não como muleta para sua falta de imaginação.
Cultura para a inovação: o terreno fértil da imaginação
Não existe estratégia criativa sem cultura criativa. E cultura criativa não se decreta, se cultiva.
Organizações que valorizam apenas resultados imediatos sufocam o processo imaginativo.
É preciso construir ambientes onde o erro é aprendizado, o diálogo é prática e o tempo da reflexão é parte do trabalho.
A imaginação é uma energia coletiva. Ela floresce em contextos onde há confiança psicológica, diversidade cognitiva e propósito compartilhado. Por isso, líderes que desejam estimular a criatividade precisam agir como jardineiros de contextos, cuidando do solo, e não apenas cobrando os frutos.
Quando a cultura favorece a experimentação, a estratégia deixa de ser um manual de controle e se torna um campo de possibilidades.
O novo papel do líder estrategista
O estrategista contemporâneo não é um planejador, mas um curador de futuros possíveis. Ele integra dados e narrativas, lógicas e emoções, pessoas e sistemas.
É alguém que aprendeu a operar entre o caos e a coerência.
Essa liderança criativa se baseia em quatro capacidades essenciais:
- Escuta profunda — captar sinais sutis do ambiente e das pessoas.
- Pensamento integrativo — conectar paradoxos e transformar tensões em insights.
- Imaginação coletiva — co-criar visões de futuro junto com o time.
- Ação emergente — experimentar rápido, aprender continuamente e adaptar-se com elegância.
Essas competências são o novo alfabeto da estratégia criativa. E é nelas que se baseiam meus workshops e mentorias para líderes e equipes que desejam ir além do planejamento tradicional e criar culturas vivas de inovação.
Em um mundo saturado de respostas, quem faz boas perguntas tem o poder
No fim, a lição de Roger Martin é simples e desconcertante: não existe algoritmo para a estratégia criativa. Mas existem caminhos de exploração que ampliam nossa capacidade de imaginar futuros possíveis.
E é exatamente isso que diferencia organizações vivas de organizações previsíveis. Vivas são aquelas que respiram o novo, que acolhem o inesperado, que aprendem e se reinventam a cada ciclo.
Porque imaginar é mais do que sonhar. É decidir conscientemente que tipo de futuro queremos criar.
Em um mundo onde a Inteligência Artificial promete respostas imediatas, o verdadeiro diferencial será de quem ainda sabe fazer boas perguntas. E é nas perguntas que a imaginação volta a ocupar o centro do jogo.
Se você é líder, gestor ou profissional de inovação e quer ampliar o pensamento estratégico da sua equipe, conheça meus workshops sobre Estratégia Criativa e Cultura para Inovação. Vamos juntos transformar imaginação em movimento, e movimento em futuro realizável.