Além do planejamento tradicional: O futuro é emergente

Liderança

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Imagem: Freppik

Como liderar, planejar e inovar em tempos de instabilidade, incerteza e transformação acelerada?

Essa pergunta é cada vez mais recorrente entre lideranças, consultores e equipes que tentam acompanhar a velocidade dos acontecimentos no século XXI. O modelo tradicional de planejamento estratégico: linear, previsível, centrado em metas fixas, tem se mostrado ineficaz diante da complexidade do presente.

Estamos vivendo em um contexto caracterizado por mudanças constantes, disruptivas e interdependentes, conhecido como mundo TUNA: Turbulento, Incerto, Não-linear e Ambíguo. Nesse cenário, abordagens mais dinâmicas e adaptativas não são apenas recomendadas: elas são urgentes.

É nesse contexto que emerge um conceito fundamental: Design Emergente. Mais do que uma metodologia, trata-se de uma nova lógica estratégica, que ressignifica práticas como o Design Thinking e as Metodologias Ágeis, propondo um novo paradigma para o planejamento em ambientes de complexidade.

O colapso do planejamento estratégico tradicional

Durante anos, fomos treinados a acreditar que planejamento estratégico era sinônimo de controle, previsão e excelência técnica. As organizações investiram recursos, tempo e energia em processos estruturados que buscavam antecipar cenários, definir metas de longo prazo e distribuir responsabilidades com base em projeções.

Três pilares sustentam esse modelo:

  1. Previsibilidade: a crença de que, com dados e análises suficientes, era possível prever o futuro.
  2. Estabilidade: a ideia de que o ambiente mudava de forma lenta e previsível.
  3. Controle: a suposição de que é possível definir rumos e garantir sua execução por meio de comando e hierarquia.

No entanto, o mundo atual, digitalizado, interconectado, culturalmente mutante e geopoliticamente volátil desmonta essas bases. O planejamento tradicional é hoje uma ferramenta inadequada para lidar com o que mais importa: a fluidez do presente e a imprevisibilidade do que está por vir.

O Design Emergente como nova lógica de pensamento

O Design Emergente surge como uma resposta conceitual a esse colapso. Ele não é apenas um novo conjunto de ferramentas ou canvas. É uma maneira diferente de compreender a realidade organizacional. É uma nova reflexão sobre a natureza do ser, da realidade ou da estrutura do que existe.

Ao invés de partir da ideia de que as soluções estão prontas e precisam ser aplicadas, o design emergente reconhece que as melhores respostas emergem da interação constante com o sistema atual. Trata-se de um processo em que o conhecimento é gerado em tempo real, por meio da convivência com a complexidade e da escuta ativa do contexto.

Emergência: uma base científica e filosófica 

A força do design emergente não está apenas na sua aplicação prática, mas em suas raízes conceituais profundas, que vêm da ciência dos sistemas complexos e da epistemologia (essa tal reflexão sobre a natureza do ser, da realidade ou da estrutura do que existe)  dos sistemas vivos.

Humberto Maturana e Francisco Varela

Com o conceito de autopoiese, esses biólogos chilenos demonstraram como os sistemas vivos são capazes de se auto-organizar, mantendo sua identidade através de processos internos de regulação. Essa ideia funda a noção de que as organizações também são sistemas vivos, que não respondem mecanicamente a comandos, mas sim emergem de interações relacionais.

Ilya Prigogine

Ao estudar os sistemas dissipativos, Prigogine mostrou que a ordem pode surgir do caos, e que os sistemas evoluem através da instabilidade. Isso subverte a visão mecanicista da previsão e da ordem, e fortalece a ideia de que a transformação organizacional é um fenômeno de ruptura e renovação contínua.

Stuart Kauffman e Murray Gell-Mann

Pesquisadores do Instituto Santa Fé, ambos exploraram a noção de auto-organização em sistemas complexos. Kauffman destacou a chamada “borda do caos”, onde os sistemas são mais inovadores, e Gell-Mann investigou como a complexidade pode gerar inteligência emergente.

Herbert Simon

Simon foi um dos primeiros a propor o design como ciência de decisão em sistemas artificiais, antecipando o que hoje entendemos como interação entre planejamento, cognição e contexto. Ele entendia o design não como estética, mas como processo cognitivo adaptativo.

David Cavallo 

David Cavallo utilizou o termo “design emergente” para propor reformas educacionais que não fossem impostas de fora, mas que surgissem da realidade local, da cultura, das práticas e das necessidades dos próprios estudantes e professores.

Com base nas ideias de Seymour Papert e do Construcionismo, Cavallo argumentava que os sistemas de aprendizagem precisam ser co-construídos, e não transferidos como pacotes prontos.

Christopher Alexander 

Christopher Alexander, em sua obra A Pattern Language, propôs que construções e cidades deveriam emergir organicamente a partir das interações das pessoas com os espaços, e não de projetos centralizados. Seu conceito de “forma que segue a vida” é um pilar importante do design emergente.

Dave Snowden e o Cynefin

Dave Snowden, criador do framework Cynefin, defende que em sistemas complexos, não há soluções prévias. O caminho é testar, observar e permitir que as soluções surjam a partir da experimentação em ambientes reais. Isso define uma lógica emergente.

Essas referências nos ajudam a compreender que o Design Emergente é muito mais do que uma moda passageira: é o resultado da consolidação de um campo de conhecimento que está em sintonia com a realidade de sistemas vivos, mutáveis e imprevisíveis.

Isso é novo? Ou sempre esteve aqui?

De certo modo, o design emergente sempre esteve presente nos sistemas vivos. É assim que culturas evoluem, que comunidades se organizam, que negócios se adaptam em tempos de crise.

A novidade talvez não esteja no conceito, mas na capacidade de nomear e estruturar algo que sempre existiu de forma tácita. Estamos, enfim, conseguindo enxergar e valorizar um tipo de inteligência coletiva que antes era desprezada pela lógica do controle e da eficiência.

O Design Emergente não é uma ruptura com tudo o que já foi feito. Ele é, talvez, a próxima camada, a maturidade que se segue à criatividade do design thinking e à adaptabilidade operacional das metodologias ágeis.

Design Thinking, Metodologias Ágeis e Design Emergente: continuidade ou ruptura?

Não há como ignorar o papel que o Design Thinking e as Metodologias Ágeis tiveram na transformação das formas de pensar sobre solução e execução organizacionais. Ambos romperam com o modelo puramente analítico e tecnocrático, trazendo foco ao cliente, à empatia, à prototipação e à iteração.

Entretanto, à medida que os contextos se tornam mais complexos, essas abordagens também enfrentam limites:

  • O Design Thinking tende a partir de um problema claro e se estrutura em fases lineares.
  • As metodologias ágeis fatiam a entrega, mas ainda partem de produtos ou soluções já identificadas.

O Design Emergente, por sua vez, não parte nem do problema, nem da solução, mas da observação do sistema como um todo. Ele não busca eficiência imediata, mas relevância sistêmica e coevolutiva. Ele reconhece que as perguntas certas só emergem no processo.

Comparando o Design Thinking, as Metodologias Ágeis e Design Emergente 

CritérioDesign ThinkingMetodologias ÁgeisDesign Emergente
Ponto de partidaProblema do usuárioBacklog de entregasObservação do sistema vivo
DinâmicaProcesso iterativoExecução incrementalEvolução orgânica e coevolutiva
DireçãoResolver problemasEntregar valor rapidamenteRedesenhar significado continuamente
Tipo de complexidade que abordaComplicada e linearModerada e técnicaComplexa, adaptativa e cultural
Papel da liderançaFacilitador de soluçõesServant LeaderCurador de ecossistemas vivos

O que muda com o Design Emergente?

A chave está na mudança de mentalidade. Mais do que uma nova metodologia, o design emergente propõe uma nova forma de liderar e planejar em ambientes instáveis.

  1. Do plano para o processo vivo
    A estratégia deixa de ser uma sequência de ações definidas e se torna um sistema de aprendizagem contínua.
  2. Do controle para a curadoria
    O líder não dita o caminho; ele cultiva as condições para que caminhos possíveis surjam, a partir das interações.
  3. Do problema para o sistema
    Em vez de partir de um problema isolado, partimos de um diagnóstico ampliado, que reconhece relações invisíveis, tensões e oportunidades emergentes.
  4. Da entrega para a relevância contextual
    Não se trata apenas de entregar rápido, mas de entregar algo que faça sentido no agora e que possa ser ajustado no próximo agora.

O papel da liderança em tempos de emergência

Se o design emergente transforma o planejamento, ele também transforma o papel da liderança. O líder tradicional, que planeja e executa, dá lugar ao líder-jardineiro: aquele que observa, escuta, prepara o solo, nutre as conexões e deixa que soluções floresçam.

Essa liderança estratégica precisa desenvolver novas capacidades:

  • Curadoria em vez de comando
  • Escuta profunda em vez de respostas imediatas
  • Flexibilidade em vez de rigidez
  • Coerência em vez de controle

A estratégia como ecologia

Mais do que um novo modelo, o Design Emergente propõe uma nova ecologia para a estratégia: uma ecologia de relações, de escuta, de adaptação e de consciência. 

Não se trata de abandonar o planejamento. Trata-se de abandonar a ilusão de que é possível controlar o tempo, o mercado ou as pessoas com base em previsões lineares.

No lugar disso, o Design Emergente propõe que nos tornemos curadores de ecossistemas vivos, onde as estratégias não são construídas com blocos de Excel, mas com inteligência coletiva, escuta ativa e sentido compartilhado.

Este é o começo de uma conversa. Uma conversa que precisa ser tão viva quanto o mundo que habitamos.

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